Olá pessoal, tudo bem? Hoje
decidi fugir um pouco do tipo de postagem que costumo fazer aqui no blog para
conversar sobre um assunto que tem me incomodado muito nas redes sociais
ultimamente e a MINHA opinião a respeito.
Clique em continue lendo para
saber mais.
Vocês conhecem a Bruna Sena? Se
não conhecem, vou apresentá-la a vocês da maneira que eu e milhares de outras
pessoas passaram a conhecê-la, através das redes sociais.
Bruna Sena é uma garota negra, pobre e estudante de escola pública
que conseguiu a enorme conquista de ter passado em primeiro lugar no curso de medicina na faculdade pública de Ribeirão
Preto, USP, que contém o vestibular mais concorrido e considerado pelos
alunos um dos mais difíceis.
Como ficamos sabendo dessa
incrível vitória? Bruna postou uma foto sua no Facebook, no tradicional estilo
bixo de faculdade, pintada com tinta e com um enorme sorriso no rosto, com uma
legenda provocadora que dizia: “A casa-grande surta quando a senzala vira
médica”. A entrada dessa garota na faculdade não poderia ser melhor, não é?!
Pois então, por qual motivo estou
escrevendo esse post e o que ele tem a ver com meritocracia? Bom, na verdade
tem tudo a ver. INFELIZMENTE não estou escrevendo apenas para parabenizar Bruna
pela sua vitória. Estou escrevendo também porque, obviamente, a sua conquista
veio recheada de discursos e falas que não cabem na realidade em que vivemos.
Não sei se vocês sabem, mas essa temporada de
resultados do ENEM, PROUNI e PRINCIPALMENTE SISU, é uma das piores para
milhares de estudantes de escola pública. Por que? Vou fazer uma pequena lista
para vocês.
1. Porque
uma grande parte dos estudantes de escola pública se sentem inferiorizados,
incapazes, inúteis e completamente infelizes com as suas notas. Eu não fiz uma
pesquisa, não entrevistei quantos alunos de escola pública se sentem assim e
não estudei cientificamente em cima desse assunto, mas não é necessário. Eu fui
uma aluna de escola pública e eu sei a realidade de grande parte desses alunos.
Eu acompanho as redes sociais e eu vejo a quantidade de pessoas se sentindo um
lixo por não terem atingido uma boa pontuação no vestibular. Não é preciso um
estudo aprofundado para perceber isso quando você está inserido nesse meio.
Vocês sabem por
qual motivo eles se sentem assim? Porque o ensino em uma escola pública é
horrível. E não, não digo isso para desvalorizar o ensino dos professores, não
digo isso para dizer que eles não sabem dar aula e muito menos dizer que a
culpa disso tudo é deles. Digo isso porque é verdade, e a responsabilidade cai
para muitos lados, principalmente para o nosso governo.
Por que o ensino
público é horrível? Porque a infraestrutura do ambiente em que os alunos
estudam é precária. Não temos ventiladores que funcionem (mesmo vivendo em
cidades onde o calor atinge 40 graus), não temos cadeiras confortáveis, não
temos mesas estáveis (elas não param de balançar). Nós temos goteiras no teto,
nós temos uma lousa que deveria ter sido deixada no passado há séculos, a
famosa lousa de giz. Nós temos banheiros sem papel higiênico, sem sabonete, sem
espelho, sem papel para enxugar a mão, sem cesto de lixo.
Porque falta
material. Falta livro, falta dicionário, faltam materiais necessários para as
aulas de artes, falta laboratório de ciências, falta atlas, falta laboratório
de informática, falta material para se trabalhar nos mais diversos tipos de
ensino.
Porque falta
professor. Posso citar diversas matérias das quais fiquei sem professores por
anos. Fiquei sem professor de português, fiquei sem professor de física, fiquei
sem professor de química, fiquei sem professor de matemática, fiquei sem
professor de geografia, fiquei sem professor de história. Falta professor
satisfeito com seu salário e seu trabalho para dar uma aula didática e útil.
Falta ensino e falta professor para ensinar.
Porque o ensino
dado (quando consegue ser dado) aos alunos, não é suficiente e muito menos à
altura do que um vestibular como ENEM e FUVEST pedem.
Porque o
governo, o nosso querido governo, não investe o suficiente na educação pública.
É por todos esses
motivos que muitas escolas públicas são provenientes de um ensino horrível. É
por todos esses motivos e muitos outros que nós, alunos de escola pública, não
conseguimos alcançar o patamar de informações e conteúdo que um vestibular
pede. É por todos esses motivos e muitos outros que nós, alunos de escola
pública, acabamos nos sentindo inferiores e incapazes de conseguir ingressar em
uma faculdade quando temos acesso à nossas notas.
E esse é o primeiro e grande motivo dessa
temporada de revelação de notas ser sempre um pesadelo.
2. O
segundo motivo é a pressão dos pais e da família em geral. Além da básica
pressão que todos os estudantes são obrigados a sentir, como se sentir obrigado
a ser um orgulho para a família, se sentir obrigado a ter que decidir toda a
sua vida e todo o seu futuro em alguns anos ou meses e se sentir obrigado a
mostrar que pode ser o melhor em tudo, existe a pressão específica dos pais que
acreditam na meritocracia. Sim, infelizmente nosso país está repleto e recheado
de pais que acreditam fielmente na meritocracia. Mas, o que é meritocracia?
Meritocracia é a
ideia de que qualquer um é capaz de atingir qualquer feito em sua vida, se ele
apenas se esforçar e se dedicar para isso. Não, para as pessoas que acreditam
na meritocracia não importa se você nasceu na favela, negro e estudou a vida
toda em uma escola pública e mesmo assim vai ter que competir com pessoas
brancas, de classe média ou alta, que estudaram a vida toda em escola
particular, fazendo os mais diversos cursos para melhorar suas capacidades em
certas atividades; para eles, as suas chances são exatamente as mesmas que
alguém que teve todas as oportunidades que você nunca teve na sua vida, “BASTA VOCÊ QUERER, SE DEDICAR E SE ESFORÇAR”.
Pois é, muitos
pais acreditam nisso. E é por isso que a pressão é ainda maior. Porque você,
aluno de escola pública, está ciente de que as suas chances são infinitamente
menores que a de outras pessoas em situação de vida e ensino melhor que a sua,
mesmo que você se esforce e dê o máximo de si, mas os seus pais não estão
cientes.
Se você não
passar nisso, filho, significa que você não se esforçou e não estudou o
suficiente para isso. Se você não passar nisso, filho, significa que você tem
que cortar suas redes sociais, sua internet, seus hobbies, e enfim, sua vida,
para que você possa finalmente dar algum orgulho à sua família. Se você não
passar nisso, filho, significa que você precisa estudar 15 horas por dia. Se
você não passar nisso, filho, significa que você é um lixo.
Não, não é
necessário dizer exatamente essas palavras para que elas possam ser entendidas
exatamente com o sentido das que eu acabei de escrever, basta você dizer “você
precisa se esforçar mais” ou “fulano estudou 15 horas por dia e desistiu de
sair nos fins de semana, o que você fez? ”. Qualquer comentário como esse é
mais do que suficiente para que o seu discurso carregado de ideias da falsa
meritocracia seja despejado em cima do seu filho, fazendo-o se sentir não muito
melhor do que um pedaço de merda no meio da calçada.
E esse é o segundo e grande motivo dessa
temporada de revelação de notas ser sempre um pesadelo.
3. Resultados
como o da Bruna, apesar de ser uma extrema alegria, também pode ser o fim e a
tristeza para outros. Não que essas pessoas estejam sendo malvadas com ela ou
que desejem o mal dela (apesar de, infelizmente, existirem pessoas assim), mas
esse tipo de resultado, que acontece praticamente todos os anos, serve para que
as pessoas os usem como um exemplo de como você não deu o melhor de si para
conseguir o mesmo resultado que fulano.
Estudante passa
em 9 faculdades federais de medicina após desativar todas as suas redes sociais
por um ano e estudar 15 horas por dia. Estudante que mora no Acre passa em 5
faculdades de medicina estudando 12 horas por dia, e sem recurso algum. Bruna
passa em primeiro lugar no curso de medicina da USP, sendo negra e estudante de
escola pública. Esses deveriam ser exemplos usados apenas em situações boas,
mas infelizmente não é o que eu estou fazendo aqui. Estou sendo obrigada a
utilizar esses exemplos em uma situação ruim, porque as pessoas as tornam
situações ruins, PARA OUTRAS PESSOAS.
Vocês têm ideia
dos comentários que surgem depois que uma notícia dessa tem repercussão? Vocês
têm ideia do quanto esses comentários destroem a autoestima de um aluno de
escola pública que nunca teve oportunidades suficientes para conseguir uma nota
relativamente boa, mas mesmo assim se esforçou e deu o máximo de si em tudo que
fez, e MESMO ASSIM é obrigado a ouvir de todas as formas possíveis que ele só
não conseguiu porque simplesmente não se esforçou o suficiente?
Os comentários que
surgem com essas notícias são destruidores para muitos estudantes de escola
pública. Afinal, mesmo que eles saibam no fundo que deram o máximo de si,
ninguém acredita que eles deram o máximo de si. Afinal, se tivessem, teriam
passado, não? Essa é a lógica deles.
E esse é o terceiro e último motivo dessa
temporada de revelação de notas ser sempre um pesadelo.
Eu poderia citar motivos e
exemplos aqui para sempre para dizer o porquê que esse tempo de revelação de
notas nos vestibulares é SEMPRE um pesadelo. Afinal, já faz quase dois anos que
terminei o ensino médio e ainda me sinto obrigada a escrever um texto como esse
no meu blog para desabafar o ódio que tenho sentido durante esse começo de ano.
Vocês conseguem imaginar como é para um aluno que queria acabar o ensino médio
e já ter sua vaga garantida na faculdade? Mil vezes pior.
Mas, de qualquer forma, agora que
vocês entenderam (ou apenas leram) os três principais motivos de uma grande
parte de estudantes de escola pública odiarem essa época de vestibular, vamos a
um ponto do texto que provavelmente já está pipocando comentários, discussões,
xingamentos e muitas outras coisas relacionadas, na cabeça das pessoas que
ainda acreditam fielmente na meritocracia.
Quero começar esse ponto com uma
parte específica de uma entrevista que a Bruna deu para uma revista (que você
pode encontrar inteira clicando aqui):
“Alguns comentários nas redes
sociais dizem que você conseguiu porque se esforçou muito e que isso basta para
que todos consigam. Qual sua opinião sobre isso?
A meritocracia é uma falácia. Eu consegui porque tive ajuda. Não dá
para igualar as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades. Eu me esforcei
muito, sim, mas não consegui só por causa disso, eu tive muito apoio. E é isso
que a gente tem que dá para quem não tem oportunidade. A gente perde muitos
gênios por aí, inclusive nas favelas porque não podem estudar. E eu fiquei com
muito medo de que minha postagem servisse de argumento para a meritocracia. E
eu vi comentários que se baseavam nisso. Mas eu sabia que ia acontecer. Eu
quero frisar bem que a questão importante é a oportunidade. Eu consegui porque
tive oportunidade. Eu tenho visto minha história como apoio à meritocracia e
fico muito triste com isso. ”
Eu poderia acabar meu texto aqui,
com esse discurso incrível e verdadeiro DA PRÓPRIA BRUNA QUE PASSOU EM PRIMEIRO
LUGAR NO CURSO DE MEDICINA DA USP DE RIBEIRÃO PRETO, mas infelizmente, por
experiência própria, eu já percebi que isso não foi suficiente para que as
pessoas entendessem o que ela quis dizer.
Por isso, vou simular alguns dos
comentários que poderiam e podem surgir com a publicação desse meu post, e vou
respondê-los antes que vocês tenham a chance de comentá-los aqui.
- “Eu fui de escola pública e passei em faculdade federal sem nem mesmo ter cotas. Várias outras pessoas da minha escola também passaram. ”
Ok, parabéns
pela sua conquista e a conquista de seus amigos, fico muito feliz por vocês.
Mas, por que vocês acham que a realidade do negro pobre da favela é a mesma que
a sua? Por que você acha que o ensino ainda é o mesmo que você presenciou
(quando se trata de uma pessoa mais velha comentando)? Por que você acha que a
sua escola pública é a mesma que outras escolas públicas? Por que você acha que
pode comparar a sua situação com a de milhares de pessoas de escola pública que
todos os anos não conseguem passar em um vestibular?
Cada um de nós
possui vidas diferentes, realidades diferentes, OPORTUNIDADES diferentes. Se
você usa o seu sucesso para justificar o “fracasso” dos outros, você está
extremamente equivocado.
- “A maioria das pessoas de escola pública não estão nem aí para o ensino. Desrespeitam professores, não fazem tarefa, não prestam atenção na aula. É tudo um bando de aluno que não quer estudar e depois faz textão no Facebook justificando que não entrou em uma faculdade porque não teve oportunidades”
E não, não são
todos os alunos assim. Muitos se esforçam, mesmo em meio a tanta bagunça, tanto
barulho, tanta falta de material, tanta falta de aulas e todos os problemas que
já citei aqui. Muitos estudam horas e horas em casa, e nunca ninguém dá os
devidos créditos a eles. Afinal, são alunos de escola pública, não é? Eles não
QUEREM estudar.
- “Reclamam de oportunidades, mas em muitas faculdades federais e públicas, 80% das vagas é reservada para os cotistas. Cotas são um privilégio que outras pessoas não têm. ”
E vocês também
conseguem enxergar que cotas NÃO SÃO E NUNCA SERÃO PRIVILÉGIOS? Privilégio
seria se as pessoas que recebem as cotas tivessem EXATAMENTE as mesmas
oportunidades que pessoas que estudaram a vida inteira em escolas particulares
tiveram. Privilégio seria se todos saíssem da largada da corrida na mesma
posição; mas nós não saímos.
- “Então você acha que o esforço do aluno não é necessário? Que basta um ensino como o de uma escola particular e o aluno já está apto a ingressar em uma faculdade pública? ”
O esforço
individual de cada um é essencial para se alcançar o que deseja. Apenas estudar
em escola particular e pagar milhares de cursos extras pode não ser suficiente
para passar em uma faculdade pública, até mesmo quando você dá o máximo de si.
Se um aluno de uma escola pública considerada ruim, não se esforça naquilo que
ele pode e consegue se esforçar, realmente ele não conseguirá nada. É preciso
TENTAR para poder RECLAMAR de não ter conseguido alguma coisa na vida.
Sim. O esforço,
a dedicação, a persistência e os sacrifícios são importantes. Mas não é SÓ isso
que vai definir o futuro da sua vida. O principal ponto que definirá o seu
sucesso, NA GRANDIZÍSSIMA MAIORIA DAS VEZES, são as oportunidades que você terá
ao longo da sua vida para alcançar esse tão almejado sucesso.
Sinto que já é suficiente para
entender o meu ponto de vista sobre esse assunto.
Concluindo tudo isso, esse texto
foi uma forma de, primeiramente, parabenizar Bruna pela incrível e maravilhosa
conquista, e dizer que: Bruna, se você estiver lendo isso, eu quero MUITO ser
sua amiga, sua linda! E em segundo lugar, lembrar a todos que a experiência de
Bruna não pode ser usada como argumentos de defesa para a meritocracia. A
própria garota já disse em entrevista que fica triste ao ter seu rosto ou seu
nome estampado nesse tipo de discurso. A situação de Bruna não se iguala a de
todas as pessoas do Brasil, principalmente às de pessoas negras e às pessoas de
escola pública. O que determina o teu sucesso, além do teu próprio esforço e
determinação, é a oportunidade que tens.
Parem de colocar a exceção como
se fosse a realidade de um país todo. E procurem onde está o problema.
Lembrem-se de quem é o verdadeiro inimigo.
Então é isso pessoal, espero que
tenham gostado do post, apesar de ter sido muito mais um desabafo. Se gostaram,
deixem o curtir lá em cima o lado do título (não se esqueçam de confirmar) e
comentem o que acharam (Obs.: qualquer comentário que defenda a meritocracia e
seja minimamente parecido com os comentários que critiquei aqui serão
devidamente excluídos ou completamente ignorados; pois apesar de cada um ter o
seu direito de se expressar, esse blog é meu).
Até mais!
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