Olá
pessoal, tudo bem? O post de hoje é o primeiro de muitos que ainda virão em
apoio ao grupo Juntas Nós Podemos, do qual falei um pouco em um vídeo no meu
canal (Conto: O Lado Feminino da Força), e do qual agora faço parte na
programação de postagens! Trarei temas relacionados ao vasto universo do
feminismo e tudo o que o circunda, com críticas, dicas, reflexões, desabafos e
o que mais vier. Sempre falei sobre tais assuntos aqui no blog e no canal, mas
dessa vez será vinculado à uma causa maior! Os artigos continuarão sendo
postados aqui, mas agora com uma aba de categoria específica para o Juntas Nós
Podemos. Além disso, os textos também serão compartilhados na página do
Facebook e Instagram do grupo, além da própria fanpage do blog.
No
post de hoje trago uma reflexão a respeito do porquê a série Insatiable, ainda
não lançada pela Netflix, mas já com data marcada, está causando tanta
polêmica.
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lendo para saber mais.
Recentemente a Netflix anunciou seu próximo lançamento do dia 10 de agosto com um trailer: a série Insatiable, estrelada pela atriz Debby Ryan. A obra conta a história de uma garota gorda que sofre bullying na escola por conta de sua aparência, e assim que emagrece e se torna o centro das atenções de quem um dia a humilhou, decide que se vingará de cada uma daquelas pessoas. Você pode assistir ao trailer a seguir:
Com
o anúncio e o lançamento do trailer, uma petição foi criada para que a Netflix
cancele o show, já que evidentemente mostra sinais graves de gordofobia. A
petição já possui assinatura de mais de 120.000 pessoas, mas ainda não se sabe
que rumo e que decisão a plataforma tomará em relação a isso.
Infelizmente,
mesmo com provas incontestáveis do preconceito da obra, ainda existem pessoas
que não entenderam os motivos para tantas críticas. Argumentos como “mimimi” e “geração
nutella” são constantemente utilizados por estes que não entendem e não se
esforçam para entender a posição do grupo oprimido, já que é difícil demais
deixar sua bolha de privilegiado e olhar um pouco para fora, para o mundo real.
Sendo assim, estou aqui para tentar explicar o porquê essa série tem se
mostrado gordofóbica.
A
primeira e mais notável forma de preconceito começa com a forma que a atriz
Debby Ryan é retratada em sua personagem: enchimento e máscaras que a façam
parecer gorda. Afinal, deve ser realmente muito difícil encontrar alguma atriz
que seja realmente gorda para interpretá-la nessa fase, não é? É mais fácil e
mais humilhante colocar uma atriz magra e padrão para interpretar alguém que
ela não é.
Pela
internet podemos encontrar alguns argumentos em relação aos enchimentos, dos
quais diziam que seria muito mais difícil contratar uma atriz gorda e fazê-la
emagrecer para interpretar o resto da série. Eu me pergunto: com toda a
tecnologia atual, não poderiam contratar uma atriz com um corpo real e gordo e
simplesmente utilizar o rosto de Debby Ryan, se é tão difícil descartá-la como
estrela da série? Acredito que não.
Enchimentos
e derivados para retratar o corpo de alguém gordo sempre foram utilizados
com
um único propósito: ridicularizar. Acho difícil que alguém consiga citar um
filme que não tenha utilizado tais artefatos e ao mesmo tempo não tenham ridicularizado
e humilhado a personagem que os utilizava. A nova novela da Globo, Deus Salve o
Rei, possui uma personagem interpretada por uma atriz magra com enchimentos.
Neil e Katy Jones, dançarinos, competiram no concurso “Professional Latin WorldShow-dance” utilizando enchimento. Mônica, personagem da série Friends, sempre
tinha seus flashbacks da época adolescente em que era gorda, logicamente com
enchimento. E, é claro, não podemos nos esquecer dos famosos filmes em que Eddy
Murphy também utiliza fat suit para interpretar suas personagens. Em todos
esses exemplos sempre há, em algum momento da trama, um momento em que a
personagem é ridicularizada por sua aparência e seu peso. Esse tipo de adereço
tem o propósito de justamente fazer o seupúblico rir do quão ridículo é um gordo fazendo... qualquer coisa. Tudo o que um gordo faz, seja sentar, pular, dançar, se abaixar ou comer, sempre foi e sempre será motivo para piada. E isso é perfeitamente retratado em obras com atrizes e atores magros com enchimentos. Em Insatiable não é diferente. Desde o início do trailer podemos notar como a personagem gorda é ridicularizada por fazer qualquer atividade. E não, não digo que é ridicularizada pelos colegas da escola, mas pelos próprios produtores da trama. Não gosto de fazer comparações, pois tenho plena consciência de que são coisas diferentes, mas para que seja mais compreensível, tentem pensar nos milhares de black face por aí. Não é engraçado, não é?
Em
seguida temos a personagem gorda de Debby Ryan mostrando como pessoas magras
podem se vestir bem, se maquiar, arrumar os cabelos, namorar e transar,
enquanto pessoas gordas ficam em casa comendo sorvete e vão para a escola
vestindo roupas horríveis. O contraste é ainda mais transparente quando a
personagem emagrece e se torna a nova “gostosa” do colégio. Patty (personagem
principal) começa a se vestir melhor, usar maquiagem, ter um cabelo impecável,
agir de forma sexy, namorar e enfim, agir como uma verdadeira pessoa magra age,
de acordo com o que o show mostra.
Esse
tipo de contraste, do que pessoas gordas e pessoas magras “podem” fazer, é
decisivo para reforçar estereótipos e promover distúrbios alimentares em
garotas gordas que justamente se sentem mal com seus corpos e sua aparência.
Promove uma mensagem de que você apenas será popular, sexy, gostosa e bonita se
decidir emagrecer. Enquanto Patty gorda se sentia insegura e humilhada, Patty
magra é poderosa, sexy e maléfica. Não poderia a personagem se vingar de seus
bullies enquanto ainda estava gorda e se sentir poderosa, sexy e maléfica do
jeito que estava? Era realmente necessário emagrecer para isso?
A
própria atriz estrela da série se pronunciou sobre toda a polêmica com o
seguinte comentário: "Como alguém que se preocupa sobre a forma como o
corpo, principalmente o feminino, é controlado pela sociedade, estava animada
em trabalhar em Insatiable pois é um show que fala desse assunto através da
sátira. A sátira consegue rir de assuntos difíceis e iniciar conversas. [...]
Durante doze anos, eu sofri com meu corpo e isso me levou para lugares ruins
que desejo deixar para trás, todos os dias. Me senti atraída pelo desejo do
show de falar sobre problemas reais e sobre como é esse sentimento de desejar
ser ignorada, porque é mais fácil que ser vista. Para mim e para Lauren Gussis,
era importante que qualquer cena onde Patty tinha maior peso não fosse usada
como piada e nunca justificar o abuso que ela sentia. O humor aqui não apoia gordofobia.
A redenção é explicar que o bullying não é certo. [...] Sou grata de estar num
show com mulheres inteligentes e engraçadas que desejam falar sobre as pressões
que caem sobre nós.". Seria um comentário bonito se realmente condissesse
com o trailer publicado.
Não
tenho como afirmar que a intenção da série era realmente ridicularizar gordos, apesar
de acreditar fielmente que não tem como fazer isso “sem querer”, e não tenho
como afirmar que a série toda, em si, é gordofóbica, já que esta ainda não teve
sua estreia. Mas, podemos sim prever os estragos que uma série como essa trará
a partir de um trailer que se mostrou 90% preconceituoso. Como a própria atriz
disse, o tema principal da trama é o bullying e como ele não deve ser tolerado,
e seria maravilhoso se isso não tivesse sido distraído pelo enfoque gordofóbico
que deram no trailer. Seria maravilhoso também que soubessem utilizar a sátira,
que Debby Ryan cita, de forma consciente e inteligente, ao em vez de
simplesmente sair reproduzindo estereótipos e humilhação. Além disso, não é necessária
muita pesquisa para descobrir que a própria atriz jamais sofreu com um corpo
gordo. É claro, toda mulher nesse mundo um dia sofreu com pressão estética,
seja magra ou gorda, mas é de muito mau gosto fazer um comentário como esse, de
ter sofrido com seu corpo magro por anos, enquanto interpreta uma personagem
gorda. São coisas completamente diferentes e sofrimentos completamente diferentes,
e seria ideal que Debby Ryan tivesse saído da sua posição de privilégio antes
de dizer o que jamais sentiu na pele.
Eu
sou gorda e eu me senti extremamente ofendida ao assistir esse trailer. Tenho
certeza que as mais de 120.000 pessoas que assinaram a petição para que a série
não fosse estreada também se sentiram como eu me senti. Talvez alguma garota
por aí, com problemas ainda maiores que os meus, tenha vomitado a comida que
comeu após assistir esse trailer. Talvez alguma outra garota tenha decidido não
comer pelo resto do dia após assistir esse trailer. Talvez alguma outra garota
por aí tenha sentido necessidade de comer muito mais que o necessário para
suprir sua ansiedade após assistir esse trailer. Talvez alguma garota por aí tenha
se cortado após assistir esse trailer. Distúrbios alimentares, depressão,
ansiedade e outros transtornos psicológicos causados por essa pressão estética
da nossa sociedade não são brincadeira. Produzir obras como essa, que reforcem
estereótipos, reforcem um padrão de beleza e ridicularizem pessoas gordas não
trará bem algum à nós, mesmo que esses não tenham sido seus principais
objetivos ao lançarem um enredo como esse.
Eu espero apenas duas
coisas: ou que essa série seja de fato cancelada ou que eu esteja extremamente
errada em minha opinião quando esta for estreada. Porque se eu não estiver
errada, Insatiable é, de fato, um desserviço à nossa sociedade.
Então
é isso pessoal, espero que tenham entendido o ponto que tentei esclarecer nesse
post e espero que tenha gerado uma reflexão. Estou aberta a discussões nos
comentários, desde que esses sejam feitos com respeito e racionalidade. Caso
contrário, estarei excluindo qualquer um que seja ofensivo.
👏👏👏👏
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